Este é um conto relativamente antigo que trago a vocês. É uma história que foi sendo contada ao longo dos anos principalmente pela curiosidade que desperta nas pessoas, pela sacada que está embutida e que eu acho que pode nos ajudar muito a tentar pensar fora da caixa. Tentar ver os problemas com os olhos dos clientes, com os olhos de outra pessoa. E é uma lição que eu acredito que poucos já ouviram.

Bom, trata-se de uma história real que aconteceu com uma grande montadora nos anos 50 lá nos Estados Unidos. O departamento de qualidade recebia e tratava reclamações de clientes, muitas vezes estas eram referentes a ocorrências aleatórias de não-conformidade em alguma peça do carro, outras representavam problemas mais graves que envolviam projeto, e aí obviamente o pessoal se baseava nestas reclamações para trabalharem as falhas e lançarem produtos melhores e versões mais confiáveis dos seus modelos de veículos.

Eventualmente chegavam algumas reclamações bastante estranhas, diversas eram até motivo de piada entre os engenheiros da empresa. E talvez a mais inusitada de todas elas tinha como título “Meu carro tem alergia a Sorvete de Baunilha”. Pois é, o cliente insatisfeito tinha como rotina familiar comprar sorvete para os filhos toda sexta-feira após o seu trabalho, e sempre que ele comprava o tal sorvete de baunilha, o carro simplesmente não pegava. Já inclusive houve um dia que ele tentou tanto que o carro afogou e ele foi para casa de guincho. Agora, se ele comprasse qualquer outro sabor de sorvete, seu carro funcionava normalmente.

Uma maluquice total não é mesmo? Algo que propõe inclusive um grande desafio ao engenheiro que vai responder uma carta destas. O que dizer a respeito disso? Talvez um vazio “deixe seu veículo em uma de nossas concessionárias que iremos avaliar o problema” ? E o que os mecânicos poderiam olhar no veículo do cidadão?

Envolto nestes pensamentos, um engenheiro da empresa foi almoçar em casa e resolveu repetir a estranha história descrita com o mesmo modelo de carro objeto da reclamação. Parou o carro na frente da sorveteria, pegou o sorvete de baunilha, entrou no carro e…nada. O motor de arranque fez seu trabalho mas o carro não pegou, e a cada tentativa fracassada o engenheiro mudava seu sentimento de incredulidade para espanto e completa desorientação. Como é possível o carro saber o sabor do sorvete e não funcionar por ser baunilha?

Não preciso dizer que o caso passou de reclamação maluca engavetada para o grande mistério no setor de qualidade. E com uma boa dose de pensamento fora da caixa, a equipe finalmente conseguiu identificar uma explicação técnica e racional para o problema. Basicamente o sorvete de baunilha era o mais vendido na época, tão mais vendido que ficava ao lado do caixa da sorveteria para agilizar o atendimento. Ou seja, comprar um sorvete de baunilha era drasticamente mais rápido do que comprar um de qualquer outro sabor, e quando o motorista voltava ao seu veículo e tentava dar a partida, os gases da combustão ainda não haviam se dissipado e não tinha dado tempo do motor estar preparado para uma partida.

Percebem? Uma reclamação feita a partir dos olhos do cliente trouxe uma necessidade de melhoria no motor do veículo para sanar um grande problema, um problema inclusive de projeto presente em todos os veículos deles. Essa ponte entre a visão que o consumidor tem, que é totalmente por feeling e constatações práticas, e a visão técnica da equipe de engenheiros, que entende basicamente daqueles assuntos que lidam diariamente, às vezes falha e impede o entendimento do problema. O usuário muitas vezes é leigo, e sua explicação do problema foi até bastante detalhada, mas deixou a sacada escondida em uma constatação maluca.

Em minha opinião, esta história é válida para que nós sempre pratiquemos uma visão do lado do cliente, usar os sapatos do consumidor como dizem. Sabemos o quanto isso pode ser difícil, afinal pessoas diferentes pensam diferente, então porque não convidar algumas delas para testar o produto, para bater um papo contigo sobre as necessidades delas e como elas enxergam o que você enxerga como vantagem, o que elas buscavam e como isto foi ou não atendido. Este tipo de exercício deixará você preparado para interpretar o que o cliente sentimentalmente e logicamente precisa, e como tecnicamente você pode entregar.